O dólar americano, historicamente uma das moedas mais influentes na economia mundial, tem uma história que abrange mais de dois séculos. Passou de uma simples unidade de conta para um ativo de reserva global, refletindo as mudanças económicas e políticas não só no país, mas também a nível mundial. Compreender o passado e o presente do dólar ajuda os investidores a analisar as tendências atuais do mercado, a prever a sua evolução, a avaliar a força dos “Greenbacks” e a tomar decisões de negociação informadas. Então, de onde veio o dólar e como se tornou no que é hoje?
Século XVIII: O Dólar no Início da Independência dos EUA
A história do dólar americano no século XVIII está intimamente ligada ao desenvolvimento económico e às mudanças políticas da jovem nação americana. Tudo começou ainda antes da declaração oficial da independência do país, englobando várias fases e acontecimentos importantes.
A origem da palavra “dólar” remonta aos primeiros anos da existência de Nova Iorque. No século XVII, Nova Iorque era uma colónia holandesa chamada Nova Amesterdão e a moeda principal era o “leeuwendaler” (moedas holandesas com um leão). A forma abreviada da palavra “daler” tornou-se amplamente utilizada, não só para a moeda holandesa, mas também para muitas outras.
É de notar que, antes da criação de uma moeda americana unificada, várias colónias americanas utilizaram diversas formas de dinheiro, incluindo libras britânicas, dobrões espanhóis e dinheiro de mercadorias, como o tabaco ou o milho. Tal como o próprio governo, o primeiro dinheiro verdadeiramente americano surgiu durante a Guerra da Independência (1775-1783), quando o Congresso Continental aprovou as primeiras leis oficiais para a sua circulação em 1776.
Um problema importante nessa altura era a escassez de moedas. Em consequência, o Segundo Congresso Continental emitiu dólares continentais - papel-moeda para financiar as despesas militares. Estas notas não eram garantidas por ouro ou prata, o que levou à sua desvalorização e inflação. A expressão “not worth a Continental dollar” (não vale um dólar continental) teve origem neste período, devido à perda maciça de confiança do público neste tipo de dinheiro.
Um momento importante na história do dólar foi a adoção da Lei da Moeda de 1792, que estabeleceu oficialmente o sistema monetário dos Estados Unidos. A lei designou o dólar como a unidade do sistema monetário e previu a criação da primeira casa da moeda americana. O dólar foi definido como contendo 371,25 grãos (24,057 gramas) de prata pura, inspirado no popular peso de prata espanhol (também conhecido como “dólar espanhol”).
Alexander Hamilton (1755/1757-1804), o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, propôs um plano para a criação de um banco nacional. O objetivo era apoiar uma economia saudável, a estabilidade da moeda e a gestão federal das dívidas dos estados. As ideias e reformas de Hamilton desempenharam um papel crucial no estabelecimento do dólar como moeda nacional, contribuindo para a estabilidade financeira e para a confiança na nova moeda.
No final do século XVIII, o dólar começou a ser amplamente utilizado nas transações domésticas e foi gradualmente reconhecido na cena internacional. Um passo significativo foi a criação de várias casas da moeda nos Estados Unidos, assegurando a cunhagem de moedas segundo um padrão unificado. Isto reforçou o papel do dólar como base do sistema económico americano, ajudando a resolver muitos problemas económicos e financeiros da jovem nação, assegurando o desenvolvimento económico futuro e lançando as bases para o futuro estatuto do dólar como a principal moeda mundial.
Século XIX: O Caminho Difícil Para o Reconhecimento
No início do século XIX, as moedas europeias, como a libra esterlina, dominavam o sistema financeiro mundial, sendo a moeda mais estável para o comércio internacional e para as reservas financeiras. O papel do dólar na cena mundial era pouco percetível. Só começou a ganhar força e respeito em meados do século, quando o desenvolvimento industrial nos EUA e a expansão da economia americana abriram caminho para o seu reconhecimento.
Desde a promulgação da Lei da Moeda em 1792 até ao início da Guerra Civil Americana (1861-1865), o governo federal não emitiu notas de banco. A emissão de papel-moeda foi deixada ao critério de cada estado e dos bancos privados. A situação tornou-se ainda mais complicada com o aparecimento de novos Estados independentes. Só podemos imaginar o caos causado pela variedade interminável de notas de vários tamanhos e desenhos. Os bancos tiveram de criar catálogos com amostras de notas e, por segurança, trocaram notas estrangeiras com desconto. Por exemplo, uma nota de 5 dólares do Agricultural Bank of Tennessee podia valer apenas 4 dólares em Nova Iorque.
Mas a confusão não se ficou por aqui; só se intensificou quando falsificadores e burlões se juntaram à impressão de dinheiro. Uma vez que qualquer banco de qualquer estado podia imprimir o seu próprio dinheiro, alguns começaram a abrir os chamados “Wildcat banks – bancos selvagens” em zonas remotas, especialmente no Oeste selvagem, onde introduziram a sua própria moeda. Se esse banco fosse à falência ou desaparecesse com o seu proprietário, os seus dólares transformavam-se em papel sem valor.
A situação começou a melhorar gradualmente após a Guerra Civil, que teve um impacto significativo na economia e no sistema financeiro do país. Durante a guerra, o governo emitiu papel-moeda conhecido como “Greenbacks” - notas do tesouro em denominações de 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, 500, 1 000 e 10 000 dólares que não podiam ser trocadas por metais preciosos. Estas notas receberam o nome de “Greenbacks” porque o seu verso era verde. A emissão de papel-moeda reduziu temporariamente a dependência do ouro e da prata e reforçou o papel do governo federal na economia. No entanto, a sua impressão excessiva durante a turbulência económica levou a uma desvalorização significativa dos Greenbacks. Em 1864, um dólar de papel valia menos de 40 cêntimos em prata.
Após a Guerra Civil, a Specie Payment Resumption Act (Lei de Retoma do Pagamento de Espécie) de 1875 exigiu que o governo resgatasse o papel-moeda e o trocasse por ouro, reforçando a confiança no dólar como moeda fiável e estável.
Final do Século XIX: O Início da Expansão Global
A Revolução Industrial nos Estados Unidos, que teve início na segunda metade do século XIX, reforçou significativamente a posição económica do país. O desenvolvimento dos transportes ferroviários, da indústria siderúrgica e da produção em massa contribuiu para o crescimento da riqueza nacional e para o aumento da circulação do dólar, tanto a nível nacional como internacional. Foi criado um vasto sistema bancário nos Estados Unidos, que assegurava a circulação estável da moeda nacional, concedia empréstimos e financiava grandes projetos industriais.
Durante este período, os EUA começaram a participar ativamente em tratados e conferências internacionais, como a Conferência Monetária Internacional de 1878, onde foram discutidas questões de normalização da moeda e do comércio. A lei aprovada no mesmo ano regulamentou a emissão de Greenbacks, ajudando o dólar a ganhar confiança e reconhecimento internacional. A moeda americana começou a ser utilizada mais ativamente fora do país em transações internacionais, facilitadas pela exportação de bens dos EUA, como o algodão, o tabaco e o trigo, bem como por investimentos, empréstimos e apoio financeiro americanos no estrangeiro. Os EUA utilizaram o dólar como um instrumento de diplomacia financeira, com o objetivo de expandir a sua influência em várias regiões, principalmente na América Latina.
Todas estas medidas fortaleceram o dólar, tornando-o mais acessível e conveniente para utilização tanto a nível nacional como internacional. Na viragem do século XX, o dólar tinha-se transformado de uma moeda jovem e instável, há um século, num elemento significativo da economia mundial. Simbolizava a crescente influência económica e política dos Estados Unidos, e a sua estabilidade e fiabilidade ajudaram a reforçar a confiança no sistema financeiro americano a nível mundial. Estes processos lançaram os alicerces para o futuro domínio do dólar na economia mundial, que se estabeleceu firmemente no século XX.
Primeira Metade do Século XX: Das Guerras e Crises ao Domínio Global
Na primeira metade do século XX, o dólar americano passou por mudanças e desafios significativos, tornando-se a principal moeda mundial. Este período foi marcado por vários acontecimentos globais, incluindo a Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os Estados Unidos tornaram-se o maior credor e fornecedor de recursos das potências aliadas (Império Russo, Grã-Bretanha e França). Antes de entrarem na guerra em 1917, os EUA negociaram ativamente e concederam empréstimos aos aliados, o que levou a um afluxo significativo de ouro e ao fortalecimento do dólar. Esta guerra ajudou o dólar a iniciar o seu processo de se tornar uma moeda mundial à medida que a Europa enfraquecia e os EUA se fortaleciam economicamente.
Após a guerra (1918-1929), os Estados Unidos utilizaram o seu domínio económico para promover ainda mais o dólar. A criação de várias instituições financeiras e a participação em conferências financeiras internacionais facilitaram a sua integração na economia mundial. No entanto, o crash da bolsa de 1929 e a subsequente Grande Depressão (1929-1939) prejudicaram gravemente a economia dos Estados Unidos. Em resposta à recessão económica, o Presidente Franklin Roosevelt implementou uma série de medidas conhecidas como o “New Deal”, incluindo o abandono do padrão-ouro em 1933, o que permitiu um aumento da oferta de moeda e o estímulo económico. Estas medidas ajudaram a estabilizar o dólar e lançaram as bases para o seu posterior fortalecimento.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os EUA voltaram a ser o principal motor económico, uma vez que a maioria dos países europeus foi devastada. Cerca de um ano antes do fim da guerra, de 1 a 22 de julho de 1944, realizou-se a Conferência de Bretton Woods, oficialmente conhecida como Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas. Este evento lançou as bases da economia mundial e do sistema financeiro do pós-guerra. A conferência reuniu 730 delegados de 44 países aliados no Mount Washington Hotel em Bretton Woods, New Hampshire, EUA. O principal objetivo era criar um ambiente económico estável que evitasse a repetição de catástrofes económicas como a Grande Depressão da década de 1930. Os principais objetivos e resultados da conferência foram os seguintes:
- Estabilização das taxas de câmbio: Para evitar as desvalorizações competitivas e as guerras tarifárias que exacerbaram a Grande Depressão, foi criado um sistema de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis. O dólar tornou-se a principal moeda de reserva mundial e todas as principais moedas foram indexadas ao Greenback, que podia ser trocado por ouro a uma taxa fixa de 35 dólares por onça.
- Criação do Fundo Monetário Internacional (FMI): O FMI foi criado para supervisionar o sistema monetário, conceder empréstimos de curto prazo aos países para manterem as suas taxas de câmbio e ajudar a resolver problemas de balança de pagamentos.
- Criação do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial): O Banco Mundial foi fundado para fornecer capital a longo prazo aos países que necessitavam de reconstrução e desenvolvimento após a guerra. O principal objetivo era financiar projetos que promovessem o crescimento económico e a melhoria do nível de vida.
Uma das consequências importantes desta conferência foi a promoção do comércio e do investimento internacionais, proporcionando um ambiente monetário estável, necessário após a caótica e desestabilizadora década de 1930. Outro resultado foi o fortalecimento do dólar americano. O dólar, juntamente com o ouro, tornou-se a base de facto do sistema monetário mundial, conduzindo a uma maior influência económica e política dos Estados Unidos na cena internacional.
Segunda Metade do Século XX: O “Choque Nixon” e as Suas Consequências
Embora o sistema de Bretton Woods tenha contribuído para a prosperidade e estabilidade económicas nas primeiras décadas do pós-guerra, começou a desmoronar-se nos anos 60 devido a várias questões políticas e económicas. Finalmente, em 1971, o Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, anunciou a suspensão da convertibilidade do dólar em ouro. Este acontecimento ficou conhecido como o “Choque Nixon”, e as suas consequências incluíram:
- Transição para taxas de câmbio flutuantes: Imediatamente após a suspensão da convertibilidade do dólar em ouro, as principais moedas mundiais passaram a adotar um sistema de taxas de câmbio flutuantes. Este sistema permitiu que as taxas de câmbio flutuassem com base nas condições de mercado, sem uma indexação direta ao dólar ou ao ouro.
- Aumento da volatilidade nos mercados cambiais: O sistema de taxas de câmbio flutuantes conduziu a uma maior volatilidade nos mercados cambiais, uma vez que as taxas de câmbio dependiam agora de uma vasta gama de indicadores económicos e de sentimentos especulativos do mercado.
- Reforço do papel dos bancos centrais: Os bancos centrais ganharam mais poder e responsabilidade na gestão das moedas nacionais num ambiente financeiro global mais complexo e dinâmico.
Apesar do colapso do sistema de Bretton Woods, este lançou as bases da moderna arquitetura financeira internacional e contribuiu para a criação do FMI e do Banco Mundial, que continuam a desempenhar papéis fundamentais na economia mundial. Para além disso, a experiência do sistema de Bretton Woods realçou a importância da coordenação da política económica internacional e o impacto das estruturas financeiras mundiais no desenvolvimento económico de cada país. Mesmo após o “choque de Nixon”, o dólar manteve a sua posição e, no final do século XX e início do século XXI, continuou a ser a principal moeda de reserva e o principal instrumento do comércio e das finanças internacionais.
Século XXI: Novas Crises, Novos Desafios
No século XXI, embora o dólar continue a desempenhar um papel fundamental na economia mundial, enfrenta cada vez mais novos desafios e mudanças que refletem um mundo financeiro mais complexo e globalizado. O boom económico da década de 2000 foi interrompido pela crise financeira mundial de 2008, que conduziu a uma profunda recessão e à necessidade de intervenções governamentais em grande escala. A Reserva Federal dos EUA (Fed) teve de baixar as taxas de juro e iniciou um programa de flexibilização quantitativa (QE – quantitative easing) para apoiar a economia.
Em 2020, a pandemia de COVID-19 provocou uma nova crise económica. Os EUA reagiram novamente com políticas orçamentais e monetárias agressivas, incluindo o financiamento de estímulos e uma maior flexibilização quantitativa. Estas medidas ajudaram a apoiar a economia, mas simultaneamente aumentaram a dívida pública e conduziram a um aumento da inflação. Depois de a pandemia ter abrandado e de a economia dos EUA ter demonstrado a sua capacidade de resistência mesmo nas condições mais difíceis, o banco central dos EUA começou a normalizar gradualmente a sua política monetária.
Até hoje, os ativos em dólares são considerados o meio mais fiável de poupança, pelo que a maior parte das reservas monetárias internacionais são detidas em dólares americanos, garantindo uma elevada procura de Greenbacks. Os preços do petróleo e de outras matérias-primas importantes são tradicionalmente denominados em dólares e a maior parte das transações comerciais e financeiras internacionais ainda são efetuadas nesta moeda.
No entanto, não se pode dizer que o dólar possa descansar sobre os louros. Nos últimos anos, a concorrência de outras moedas, como o euro e o yuan chinês, intensificou-se. A China promove ativamente o yuan como moeda internacional, assinando acordos de swap com outros países e alargando a utilização do yuan nas transações internacionais. O aparecimento de criptomoedas e o interesse pelas moedas digitais dos bancos centrais (CBDC) constituem outro desafio ao domínio do dólar. O aumento da dívida pública dos EUA também suscita preocupações quanto à sustentabilidade a longo prazo da moeda americana e pode levar a uma diminuição da confiança na mesma. Por conseguinte, face às mudanças e aos desafios económicos mundiais, a resiliência e a adaptabilidade do dólar serão extremamente importantes para manter a sua posição dominante no futuro.
Voltar Voltar